sábado, setembro 24, 2005

Casamentos

Detesto casamentos. Odeio, abomino e não suporto casamentos, mas não sou capaz de dizer que não a nenhum convite porque tenho sempre a esperança de que me vou divertir... e já que tenho de dar presente, ao menos que coma e beba à borla.
Sucede porém que os casamentos começam a ser cada vez mais frequentes e os noivos mais novos que eu... o que consubstancia um atentado grave ao meu bom humor...
No início emociono-me. Acho piada à coisa “ai que grande que ele/ela está... até já vai casar”... a depressão espreita quando realizo que aquelas duas criaturas não estão a brincar às casinhas e que de facto a anilha no dedo está lá e por lá vai ficar até que a morte os separe (isso ou uma boazona qualquer de rabo empinado e líbido ao rubro).

Saio da igreja meio atordoada (já está!?!) e sigo para a boda. Agora sim vou desforrar-me, coitados que nem sabem o que perdem que o que eles estão é a enforcar-se a vamo lá comemorar o celibato que ser solteira é que é divertido que eu tenho a vida toda para me aprisionar e ainda agora saí em liberdade condicional e onde é que está o álcool que estas festas são para uma pessoa se emborrachar à saúde dos solteiros!
Nesta altura sinto-me mais ou menos como num daqueles funerais em que se festeja a passagem para outra vida... (ou será a vida dos que ficam?)
Findo o cocktail e as fotos da praxe (já eu ando a ver dois fotógrafos que os aperitivos não chegam para absorver os martinis), procuro a minha mesa e é então que a minha boa disposição sofre um novo abalo... é engraçado que podemos saber a nossa idade/fase da vida pelas mesas dos casamentos: há o tempo em que ficamos na mesa dos pais, depois passamos para a mesa das crianças/adolescentes, passamos para a dos jovens... há depois a fase triste da mesa dos solteiros... a única mesa de desemparelhados porque já são poucos e cabem todos em oito cadeiras. E então calham-nos uns cromos que nunca vimos na vida e cujo sonho é fazer o doutoramento em física quântica aplicada às raízes das ervas daninhas da Sibéria, que usam óculos onde cabiam peixes dourados, meias brancas e calças tão justas no rabo que se percebe perfeitamente o slip e nalguns casos até se vê a côr azul-cueca (ou azul-ano-novo)... Nessa altura assustamo-nos “não é possível que eu seja comparada a estes tansos que eu não sou assim e que desperdício uma menina tão jeitosa perder uma noite inteira na mesa do clube de xadrês”. (esta mesa tem no entanto a virtualidade de nos fazer sentir mulheres de sonho porque é consabido que algo feio perto de algo horroroso parece lindo de morrer). Pensamos que não podemos descer mais baixo, que temos de arranjar par rapidamente porque estamos a correr o sério risco de ficarmos apenas e só com estes left-overs.
Mas enganamo-nos redondamente, porque a vida não pára e no casamento seguinte (e é nesta fase que estou agora), já não há sequer mesa de solteiros porque os poucos que existem já não são suficientes para compor uma. Resta-nos então o pior de tudo... a mesa dos casados e felizes de o serem (sim que bem podem andar à porrada o ano inteiro mas quando há solteira a menos de 100 metros, não podiam ter um casamento mais feliz e ai que ele é tão engraçado e gosto tanto que fales com a boca cheia e já agora cospe um bocadinho desse bacalhau que a mim só me calharam espinhas e gosto mais quando vem mastigado por ti... e dá cá mais um beijinho e outro e outro que é para mostrar a esta reles insignificante que quem perde é ela). Normalmente a coisa não fica por aqui porque o feliz maridinho é nada mais nada menos que o, agora Doutor-cromo do casamento anterior (porra! Já nem os cromos estão disponíveis?!?! O que é que eu tenho????)

Enfim, enche-se o copo e outro e outro que quero branco e tinto e se houver verde também que isto hoje só lá vai com álcool etílico e quando é que me trazem o meu digestivo e o rum e o whisky?

O desespero, esse, está guardado para o fim. Terminada a comezaina, quando já toda a gente desaperta os cintos e alivia os fechos, começa a movimentação da terceira idade, normalmente senhoras que vêem o casamento e consequente procriação como o objectivo único da mulher. E então as conversas tornam-se repetitivas com perguntas que mais parecem afirmações e olhares assustados perante as respostas:
“Já casou... Não??? Mas está para casar...”
Eventualmente, minha senhora... quando for grande... sim, gostaria de casar...
”E que idade tem?”
É aqui que se torna doloroso... até para elas, a julgar pelas expressões facias... elas percebem e tentam remediar:
“Ah... mas ainda é nova... olhe que não parece ter essa idade, parece mais nova” (pior a emenda que o soneto porque se já era suposto eu ser casada com menos idade do que a que tenho...)
“Pois não parece, não! Eu bem digo que pareço uma menina de 20 anos mas no Arquivo de Identificação são uns chatos...”, digo eu com um sorriso amarelado enquanto agradeço a amabilidade da minha interlocutora.
A questão é que de facto eu não me sinto com a idade que tenho e isso alegra-me um bocadinho. E penso, enquanto vejo os noivos felizes e satisfeitos a cortarem o bolo, na sorte que tenho por ser solteira, por não ter de aturar um marido chato todos os dias, por poder fazer o que me der na real gana, por ter ainda muito tempo para me casar...
Mas é quando vou para casa que me dou conta de que efectivamente os 30 aproximam-se vertiginosamente e que embora a minha cara não o denuncie e eu possa sempre esconder o BI, os meus ovários não são burros e nem vão para novos... e começo a ouvir tic-tac-tic-tac... e prometo a mim mesma que da próxima vez terei uma missa de sétimo dia ou uma gripe intestinal e não hei-de ir a porra de casamento nenhum enquanto não tiver eu própria o meu par.